quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre a Segunda-Feira...

Hoje eu acordei com vontade de escrever. Sobre nada. Portanto eu vou escrever um conto. Uma narrativa reflexiva. Provavelmente voce não vai refletir sobre nada, mas eu vou escrever do mesmo jeito.



Segunda-feira. Cinco e quarenta e cinco da manhã, em ponto.
Ele odiava segunda-feira. Odiava não como todo mundo odeia. Odiava mesmo.
O radio relógio na cabeceira da cama desperta com o locutor dizendo um Bom Dia, enquanto os raios brancos do sol quente de verão passa pelas frestas da cortina iluminando o pequeno quarto. Cala a boca. Foi o primeiro pensamento do dia. Incrível como seu mal-humor era péssimo às segundas-feiras de manha. Chegava a ser nauseante. Desligou o radio ainda deitado. Estava quente. Sentou-se na beira da cama. Resmungava alguma coisa enquanto passava as mãos pelos olhos e depois pelos cabelos suados. Demorou um ano para se levantar da cama, e virou-se para a janela e, enquanto bocejava, abria as cortinas velhas com uma careta distorcida quando a luz do dia lhe bateu nos olhos. Demorou alguns segundos para suas pupilas se acostumarem.
Quando finalmente parecia desperto, olhou o quarto. Um pequeno quadrado com a janela à suas costas, um ninho de rato - ele tinha coragem de chamar de cama - à sua esquerda, e um armário sem vergonha à sua direita. O quarto era ligado a um corredor, virando a direita tinha um banheiro, e a esquerda a sala com cozinha integrada. Pequeno, mas cômodo para uma pessoa. Caminhou para o banheiro e abriu o chuveiro enquanto jogava a pouca roupa no balde. Olhou rapidamente para o espelho e contemplou as olheiras negras abaixo dos olhos, e a cara amassada. E sentiu pena de si próprio.
Entrou debaixo da agua quente, fechou os olhos e deixou-a escorrer pelas costas. Começou a ver na escuridão das pálpebras a situação fantástica em que se encontrava sua vida. Um emprego de vendedor indo pro espaço, um carro financiado na mecanica - malditos velhos cegos que ainda pensam que dirigem -, uma mãe com câncer morrendo num leito de hospital a 200 quilômetros de distancia, e uma noiva arquiteta frustrada. Perfeito.
Desligou o chuveiro e puxou a toalha. Secou os cabelos negros e o rosto cansado. Passou a toalha pelo resto do corpo num ato inconsciente e instintivo. Apoiou-se na pia do banheiro e ficou pensando em como tinha chegado naquela situação. Mudou-se do interior para a capital numa oportunidade de emprego, largou o emprego para buscar ajuda pra mãe, o máximo que conseguiu foi um quarto com TV num hospital publico. Arrumou uma namorada, bonita ate, mas complexada. Dependente de uma coisa que ele não podia oferecer. Sustentava a relação com indiferença. Fazia-se de cego e surdo. Pagava aluguel num apartamento péssimo na periferia. Pagava não, tentava. Estava atrasado 2 meses e ja tinha recebido duas cartas de cobrança e uma ameaça de despejo.
O carro que comprara pra agradar a moça, tinha financiado. Ainda faltava umas parcelas pra pagar. Um velho infeliz saiu de uma viela na contra-mão e acertou o pequeno Fiat na lateral direita. A Ranger do velho so não entrou mais no carro por que Deus colocou o dedo ali e fez o carro girar pra esquerda. Não tinha seguro. Alias, so tinha pneus por que vinha com ele. Se tivesse que comprar não os teria. Continuou apoiado na pia, ate sentir que suas costas doiam. Endireitou-se e foi para o quarto, enrolado na toalha. Colocou a roupa, e sentou-se na cama pra calçar as meias. Pretas. Calçou o unico par de sapatos que tinha, pegou seu velho suéter surrado e encaminhou-se para a cozinha. Ligou a TV e, enquanto olhava cinicamente o velho repórter com as noticias sobre esportes do sabado a noite, encheu um copo com suco de laranja.
Para manter a forma... de porco, so se for...
Seus pensamentos sarcásticos incomodavam a si mesmo. Mas ele se divertia com isso, era um dom. Encarava todas as situações com graça. Uma graça maldosa, mas infantil. Um jeito de fazer parecer simples. Pegou um pão velho em cima do microondas e cortou-o sorrindo. Enfiou uma fatia de apresuntado (a ultima do saco) com um pouco de maionese e mordeu enquanto enchia novamente o copo. Sua mente aos poucos se esvaziava dos pensamentos. Voltou, escovou os dentes pensando em fazer a barba no próximo fim de semana, ou em simplesmente nao fazer a barba no próximo fim de semana - a gente nunca apara o gramado no próximo fim de semana. Passou as mãos nos cabelos, ajeitando-os e saiu. A porta se fechou às suas costas, e enquanto descia as escadas seu unico pensamento era: Permanecer vivo ate o fim do dia. Mas na sua mente soava mais como "tentar nao matar ninguem ate o fim do dia". Mais uma segunda-feira na selva da vida.
Acho que era por isso que ele odiava segundas-feiras.

2 comentários:

  1. Miguxooo masterrr esse contooo...adoreiiiiii!!!

    ResponderExcluir
  2. kkkkkkkk.... vc anda dormindo demais... fantástica essa história! rs =)

    ResponderExcluir