sexta-feira, 12 de julho de 2013

Alguém sabe dizer o que é normal? Pode parecer tão natural

Acho que fui uma criança um pouco diferente das outras. Acho pelo simples fato de não ter certeza nem do que eu acabei de comer, após descobrir que a cereja em calda que gosto de colocar no sorvete na verdade é feita de chuchu (segundo uma pessoa que diz que trabalhou na fabrica), não tenho mais certeza de nana, nem mesmo se a cereja em calda é realmente feita com chuchu e não com cerejas. Na verdade não tenho certeza nem das cores que vejo a minha frente, pois quem garante que meus olhos não enganam meu cérebro? Ele as vezes é tão bobinho.

Com sete anos ainda chupava chupeta, e não eram chupetas normais, eram chupetas velhas. Não que isso não seja normal, mas eram chupetas ‘’nojentas’’ para ser mais exatas.
Ainda na segunda série levava uma chupeta escondida na mochila para ir chupar na hora do recreio no banheiro, escondida de todos.

Quando ainda menor por volta dos 3/4 anos, quando minha mãe não dava atenção no que eu falava, imitava uma galinha, batendo os braços com os cotovelos flexionados, e cacarejando, ou então imitava uma velhinha com uma bengala. Eu realmente tinha atitudes muito infantis, pois atualmente quando isso acontece eu imito o Cristo Redentor, o Saci-Pererê ou eu canto ópera.  

Queria um carrinho de controle remoto, mas sempre ganhava uma Barbie. Queria ser menino, usar roupas do Mickey ao em vez da Minnie, ser a melhor dos primos no vídeo game e fazer xixi de pé. Mas também achava os meninos atraentes, em especial o Vitor, o menino loirinho e bobinho da minha turma na primeira série, mas quem mais me chamava atenção não era bem os meninos e sim os homens. O professor Eduardo que dava aula pra outra quarta série, que não era a minha, era lindo, e o professor de artes da terceira também era muito bonito, até mais que o Eduardo. O pai da personagem da novela Carinha de Anjo então... Oh my God, e aquele ator do plantão médico também era de tirar suspiros, entre outros que não é necessário comentário.

Essa coisa de querer ser menino passou rápido, com uns 8 ou 9 anos já estava conformada em me equilibrar para fazer xixi em banheiro publico e amarrar o cabelo para ir pra escola, para não pegar piolho.
Após algumas consultas com uma psicóloga infantil minha mãe ficou mais calma ao saber que eu não seria um serial killer ou sofresse de sérios distúrbios de egoísmo e mentais. Só porque fiz uma cirurgia em uma boneca nova, abrindo-a com a tesoura e simulando seu sangue com ketchup e retratar essa cena nos desenhos livres que a professora dava pra fazer, e gritava do nada na sala de aula quando estava tudo muito quieto. Quanto aos distúrbios de egoísmo era só por não querer dividir nada com ninguém, e vender em vez de dar, na hora do recreio quando algum amiguinho pedia um pouco/pedaço do lanche:
- Me da um pouco de amendoim?
- 20 centavos 5 amendoins
- Tá bom, amanhã eu trago o dinheiro.
Ou então:
- Da um adesivo do seu caderno?
- 20 centavos os pequenos, esses maiores é 30 e os grandes 50.

Meus pais notaram quando eu não pedia mais dinheiro para comprar lanche, pois o que eu faturava com as vendas na escola dava pra comprar o lanche e vender em pequena quantia, e me rendeu algumas consultas com a psicóloga. Mas o que mais deu dinheiro foi o caderno de desenho que minha irmã me deu, contendo 50 desenhos feitos por ela, e eu vendi todos a R$1, e os pintados a R$1,50. Neste caso eu já era maior, deveria ter uns 9 anos e proporcionei orgulho para meus pais pela ideia de ‘’fazer dinheiro’’, apesar de ter vendido um presente.

Meu pai dizia que eu tinha espírito de comerciante, mas esse tal espírito foi sumindo com o tempo até desaparecer e hoje eu ser uma ameba com vendas.

Além do Pedrinho, meu namorado imaginário que tive por volta de uns 4 anos de idade, aos 7 tive o Hugo, que não era meu namorado e nem imaginário. Quer dizer, em partes. Hugo, que descanse em paz, era uma bola de plástico em que eu desenhei o um rostinho e um boné. Eu e o Hugo nos divertimos por muito tempo. Nós íamos a vários campeonatos juntos. Ele era uma espécie de Pokémon, mas não era um Pokémon, era uma bola mesmo. Ah, e eu não era a Thami, eu era um personagem também, no qual prefiro não detalhar muito.

Contudo, minha viajem imaginaria não parava por aí. Eu frequentava a ‘’Escola do Banho’’. Na mesma época em que tinha o Hugo. Frequentei a ‘’Escola do Banho’’ por mais de dois anos. Nessa escola tinha vários amigos e alguns inimigos, imaginários é claro, e era... Na hora do banho. Tinha competições como o jogo da bucha e ganhava quem fizesse mais pontos com a bucha. Minha mãe se intrigava do porque quando eu saia do banho o teto estava sempre molhado. Mal sabia ela que eu estava em uma competição superimportante representando a ‘’Escola do Banho’’. Lembro-me quando acertei a bucha na janela e ela caiu para fora do banheiro e encontraram a tal no corredor. Foi complicado explicar já que ninguém me entendia.

Atualmente com quase 20 anos posso dizer que estou melhor dessas viagens, que a meu ver não é nada anormal, mas não posso afirmar que me curei disso. Na verdade acho que não tem cura, pois não deve ser nenhuma doença. Não que eu continue frequentando a escola do banho. Juro que não frequento mais, juro juradinho, já que minhas viagens atuais são mais sofisticadas e a  ''Escola do Banho'' é algo muito fichinha, mas não cabe comentar sobre isso no momento. Talvez daqui umas décadas.



Postado por Thami

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Cresce o Cinza.


Hoje é um dia diferente. Não tão diferente aos olhos do cotidiano, mas sinto, lá no fundo, de maneira sutil e descompromissada, que este é um dia diferente. Hoje é um dia monocromático. Cinza.

O céu é cinza, com nuvens espessas, baixas e disformes. Chuvisca. Aquela água fria, fina e entediante, levada pelos ventos sem destino. A rua do velho hospício também é cinza. Os paralelepípedos desordenados, que insistem em aparecer nos trechos onde o asfalto foi quebrado e esquecido, reluzem ao solene toque da água, como se a chuva fosse uma carícia lenta e amorosa. Brilham sim, mas brilham cinza.

Os prédios, que outrora formavam as vívidas alas psiquiátricas, apesar do conteúdo não ser nem um pouco agradável, agora tão quietos e descoloridos fazem a paisagem afundar em melancolia. A tintura branca, rosada, ou até mesmo aquele tom verde-menta se foram dando espaço à doença cinza que se apossou descaradamente da rua. As paredes cobertas de rachaduras e musgos, e as velhas janelas de madeira com seus batentes comidos pelo tempo dão um aspecto solitário e improdutivo. As grades já enferrujadas protegem o antigo santuário dos jardins, hoje, transformados em lembrança.

Os galhos secos se penduram em corpos frios que, num tempo que há muito já se findou, foram árvores. Flores são desconhecidas. Tudo o que se vê são pequenos arbustos de espinheiros, e o capim velho se arrastando pelos caminhos. Situação calamitosa, digna de pena. As pragas nascem, crescem e morrem todos os dias. Os jardins, com suas mais variadas flores, metamorfosearam-se na personificação viva da depressão, consumindo-se a si mesma num canibalismo visual degradante e odioso. O filho bastardo de um mundo em escala de cinza.

Mas minha alma não mente e jamais me engana. Hoje não é apenas um dia chuvoso na rua do sanatório. Vejo uma pequena coisa diferente, lá longe, subindo, no meio da rua. Singela e serena, anda sorrindo. Não anda, mas flutua com seu vestido coral, encharcado e colado ao seu corpo reto. No meio de um ambiente tão fosco, e sobre uma pele tão branca, o coral parece carmesim.

A cada passo uma nota ecoando. Dança. Gira. Ri. Descalça, não faz questão dos poucos, mas insistentes, paralelepípedos da rua que a fazem deslizar. O cenário não afeta sua alegria. Os cabelos ruivos cacheados voam jogando água pelos lados, enquanto as sardas nas maçãs do rosto observam de cima as pequenas covinhas nos cantos da boca. Estonteantemente linda, na mesma proporção em que é despretensiosa.

Seus olhos verdes não enxergam este mundo. Estão presos distantes daqui, contemplando a própria felicidade. Não veem nada além daquilo que sua mente em devaneios vê. As cores infinitas que formam a luz branca. Sente o cheiro da terra fértil e dos eucaliptos distantes. Ouve o som da música dos pássaros, e a cantoria do vento. Sente a chuva lavar-lhe a pele na mesma medida em que lava-lhe a alma.

Em seus dedos, de unhas comidas e cutículas destroçadas, pende-se uma rosa. Não apenas uma rosa. Um Príncipe Negro. Majestoso, e imponente, com suas pétalas escuras e raras. Um príncipe para uma Rosa, ou uma rosa para um Príncipe?! Não se sabe ao certo, também não se faz necessário saber. O que se sabe é que ela plantou esta rosa, por entre as falhas do asfalto, em frente ao velho portão enferrujado. O que se sabe é que deu as costas e foi embora, do mesmo jeito que chegou, dançando além do chão, sorrindo e vivendo seu mundo. O que se sabe é que trouxe do seu mundo a essência, e a deixou aqui. Plantada no meio da rua. Levou consigo todo o cinza. Levou consigo todo o velho, todo o cotidiano, toda doença. Deixou para nós o seu mundo, o seu olhar.

Deixou para nós o seu jardim, no meio do asfalto, na rua do hospício. Trouxe-nos de volta a loucura que nos faltava. A insanidade que havia morrido e que nos é necessária para sermos felizes, para sermos plenos. Trouxe de novo a beleza das cores, e das pequenas coisas. Dizem que ninguém entende os loucos, mas só aos loucos pertence a sabedoria do mundo.