terça-feira, 19 de julho de 2011

Saudade

Sentado em minha mesa, com o papel e a caneta à minha frente, uma caneca de café esfumaçando e enchendo o ambiente com seu perfume. Está escuro no quarto. Apenas uma luminaria me mostra o que devo fazer. Chove la fora. Uma chuva fina, gélida, e o vento atormenta minha janela. Seu sussurro medonho assola as persianas. É inverno. A temperatura é tão baixa, que sinto meus ossos endurecerem. As blusas e panos que me envolvem não são suficientes, mas o café quente me basta.
O papel me encara. Sua face branca e lisa me intimida. Nada mais é como antes. Sei exatamente o que fazer. Sei exatamente como fazer. Mas me falta algo. Minha cabeça se distancia cada vez mais da realidade e se afasta gradativamente daquele papel. Minha mente começa a vagar por terras desconhecidas, habitadas apenas por lembranças mortas. Não me sinto mais vivo para escrever sobre a vida. Até que, inesperadamente, meus pensamentos se esbarram em um sentimento. Saudade. Vejo uma mão segurando a minha. Vejo passos. Vejo o mar.
Instintivamente minha mão avança sobre a caneta e começa a percorrer sobre o papel. Ainda preso na minha mente, escrevendo involuntariamente sobre minhas divagações, vejo uma mulher. Sua pele morena, lisa. Me envolve com seus braços enquanto sussurra em meu ouvido com seus labios grossos e quentes. Sinto seu cheiro mais forte que o café. Seus cabelos enrolados se soltam por cima dos ombros, e o castanho mel dos seus olhos me fitam profundamente.
Sua boca se move suavemente enquanto fala. Seus olhos brilham. Parece um anjo. Seu sorriso me fascina. Gracioso. Perfeito. Me encanta enquanto seguro sua cintura fina. Seus braços ao redor de mim me aquecem. Me conta sobre seus planos, sobre seus sonhos, enquanto nossos espiritos dançam no silencio de nossos corpos. Me sobe um arrepio pela espinha. Sinto nossos corações acelerados. Sinto seu corpo arrepiar, e tremer enquanto seus olhos se fecham lentamente, e nossos labios se encontram.
Quente. Um formigamento me sobe as pernas, e um desejo de que aquele momento dure por toda eternidade. Um beijo. Nosso corpo preso um ao outro, entrelaçados em um abraço infinito. Seu halito fresco me desperta desejo. Minhas mãos passeiam por suas costas, enquanto seus braços me seguram forte. Um beijo longo, demorado. Extase. Sua boca desprende-se da minha, e corre para meus ouvidos e, num sussurro, me tira do meu estado de sobriedade. Uma declaração, três singelas palavras, ditas num cochicho que veio do fundo da alma. Eu te amo. Suas palavras ecoam na minha mente, dançam à minha volta. Tudo tão perfeito. Tudo apenas uma lembrança.
E assim, a imagem vai se dissolvendo e vou voltando para a penumbra de onde sai. O seu cheiro vai se dissipando, dando espaço ao amargor do café. Sua voz se torna um eco abafado e some no tilintar da chuva. Seu toque suave e seus braços se transformam no peso dos meus casacos. Cá estou eu, sentado novamente na minha escrivaninha, sozinho, tomando meu café e ouvindo a chuva bater na janela. Sinto uma angustia conhecida de muitos carnavais. Uma dor sorrateira que permeia minha alma. Uma velha companheira. A saudade.
A tristeza para o poeta. A saudade para o amante. Assim contemplo o papel escrito à minha frente. Sozinho, envolto em devaneios, lembrando bons momentos e desejando-os de volta, e esperando desesperadamente para tê-la de volta.
Eu te amo... ainda posso escutar bem proximo de mim.

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