Começa com um som. Um ritmo crescente e
grave. Compassado. Distante. Aparentemente, desconfio que nem ao menos existe,
mas rapidamente percebo que está mais próximo do que imagino. A batida acelera
no mais profundo do ouvido, entre a audição e a esquizofrenia, e, a cada tempo,
uma pequena dor. Uma leve pontada na boca do estômago, e tal desconforto é
igualmente crescente.
A pulsação segue
constante, aumentando gradualmente, tanto em velocidade, como em volume,
chegando ao ponto de assimilar-se a um ruído ininterrupto, onde nem sequer os
pensamentos conseguem ser mais audíveis. Então, quando este ruído fica
estarrecedor e caótico, é neste instante que a dor, que outrora era um leve
desconforto, eclode e se espalha como uma praga, como uma epidemia, infestando
toda e qualquer parte do meu corpo. Tecidos, órgãos, até mesmo a mente.
A musculatura fica tensa. Petrificada. O
sangue correndo me parece ter a espessura de um óleo impuro. Queima. As
extremidades, por outro lado, estão excluídas desta ardência. A vida esqueceu-se
das mãos e dos pés. Frios e rígidos, ambos suam. Minam água. Os membros
renegados clamam pelo calor do corpo, tremendo incisivamente esperando qualquer
resposta. Grito. Talvez um berro odioso, cercado de temor, com uma sobra imensa
de dor. Independente do que seja, grito.
Há contrações por todos os lados. Intestinos,
rins, diafragma, todos, infelizmente, se contorcendo como um bando de epiléticos,
monstruosamente atenuando a dor. Os pulmões trabalham em vão. Mesmo com todo o ar do mundo ao
meu alcance, é insuficiente. Nesta força vil de respirar, junto com o ar, se
vai também a voz. Torno-me mudo.
Também se foram os sentidos. A audição se
resume ao soar frenético da arritmia, enquanto o olfato se dissipa numa asma
mortal. As papilas gustativas morreram, e tudo o que sobrou é um amargo e uma
salivação que, para minha frustração, tenta desesperadamente adoçar a boca,
enquanto os olhos cegos derramam lágrimas. Lágrimas igualmente amargas.
Lágrimas que suspiram desejosamente por um alívio. Por uma paz.
Nada mais faz sentido. Nada mais vale a
pena. O mundo é uma ferida cauterizada, suja. Um vazio negro e profundo,
fétido, preenchido apenas por agonia e dor. Dor, dor, e apenas dor. Crescente e
ininterrupta. Um sofrimento eterno. Duradouro. Infinito. Intensificado a cada
segundo, até que, em seu ápice, um clarão e um ribombo arrebatam minha mente.
No corpo, uma dor aguda, como de uma faca
penetrando no peito, deslizando por entre as costelas e cravando-se no arco da
aorta, assim como uma bailarina desliza em suas sapatilhas sobre o palco, pousando
delicadamente sobre o piso de taco encerado. A dor insuportável de uma implosão,
acompanhado de um silencio memorável, claro e límpido. Um lindo paradoxo entre
a perfeita introspecção e o fim tenebroso, afogado em sofrimento. Segundos,
horas, eras. O tempo é indiferente. Um mero acessório desrespeitado.
Faz-se paz. Tão esperada paz. Acaba-se
toda a dor. Todo o sofrimento lentamente se vai. Plenitude, com uma marca de
esperança cravada na mente. Encontro-me em um estado ébrio. Quieto. O mundo não
gira. Os sentidos vão retomando suas funções, um a um, vagarosamente, como se
discutissem entre si se são realmente necessários. As cores vão tomando forma.
Os cheiros. Os gostos. Os membros vão voltando aos seus costumeiros afazeres.
Tudo voltando ao normal. Tudo se sensibilizando novamente, enquanto o tempo
torna a caminhar e o mundo a girar.
Levanto-me então, e caminho depressivo para
a vida, moído por mais uma noite de abstinência. Abstinência do teu corpo. Abstinência
do teu cheiro, do teu sorriso. Abstinência do teu abraço. Dos teus cabelos no
meu rosto. Abstinência do teu olhar cor de mel, e dos teus beijos tão doces
quanto. Abstinência de te amar como merece.